Aproximadamente 80 pessoas reunidas para uma foto durante o evento. Essas pessoas são lideranças religiosas de todo o país e estão de máscara em um espaço com madeiras na parede ao fundo.
Novas Narrativas Evangélicas

De Babel à Babette

maykelnazare
5 min readDec 7, 2021

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Esse texto é resultado do(s) encontro(s) que vivi no "Novas Narrativas Evangélicas", um movimento, resultado de movimentos, que se propôs a ser um ambiente seguro e saudável para a experiência de cristãos anti-fundamentalistas.

Particularmente, vivo minha maior crise vocacional-ministerial até aqui. Venho sofrendo algumas violências por conta da religião: exclusão, afastamento, silenciamento e até mesmo demissão. Poder estar num encontro como esse desencadeou em mim uma esperança com o amanhã.

Pessoas de todas as tribos, povos e raças, com vivências específicas, num mesmo espaço, partilhando suas histórias, compartilhando a história. Era momento de nos ouvirmos. Partindo de um pressuposto de uma "mesma linguagem": o progressismo, que hoje enfrenta de frente o demônio do fundamentalismo político-religioso.

Talvez, diante disso, houvesse um risco de que Babel se fizesse presente:

"Eles são um só povo e falam uma só língua […] Em breve nada poderá impedir o que planejam fazer. Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros". […] Por isso foi chamada Babel, porque ali o Senhor confundiu a língua de todo o mundo. Dali o Senhor os espalhou por toda a terra. (Gn. 11.6–9 NVI)

Mas, ironicamente, estávamos reunidos em um espaço que faz referência à história de "A festa de Babette" (Karen Blixen), onde uma refugiada de guerra é serva de duas irmãs religiosas. Um dia Babette, a serva-refugiada, ganha na loteria e oferece um banquete à família e ao vilarejo onde trabalhava. Por conta da religião, havia uma forte austeridade no local e a sociedade resiste inicialmente, temendo ferir alguma lei divina ao aceitar o jantar de Babette. Porém acabam cedendo e se deliciam com a festa.
Esse banquete mexe com o status quo do vilarejo — ainda que por um curto momento.

E é aqui que eu queria chegar ao fazer a brincadeira com o título: ao invés de confusão, um banquete.

As diferentes línguas, linguagem, expressões e vivências estavam presentes e nossas experiências foram moldadas pela divina Ruah, assim como no Pentecostes — uma alteridade compreensível:

Ouvindo-se este som, ajuntou-se uma multidão que ficou perplexa, pois cada um os ouvia falar em sua própria língua. Atônitos e maravilhados, eles perguntavam: "Acaso não são galileus todos estes homens que estão falando? Então, como os ouvimos, cada um de nós, em nossa própria língua materna?" (At. 2.6–8 NVI)

Lê-se o episódio de Pentecostes como uma incisão profética no tempo-espaço, narrada pelo profeta Joel:

E, depois disso, derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os velhos terão sonhos, os jovens terão visões. Até sobre os servos e as servas derramarei do meu Espírito naqueles dias. (Jl. 2.28–29 NVI)

Espírito derramado, sem distinção.
Após a promessa do derramar do Espírito, o mesmo profeta traz uma promessa de justiça e juízo:

"Naquele dia os montes gotejarão vinho novo; das colinas manará leite; todos os ribeiros de Judá terão água corrente. Uma fonte fluirá do templo do Senhor e regará o vale das Acácias. Mas o Egito ficará desolado, Edom será um deserto arrasado, por causa da violência feita ao povo de Judá, em cuja terra derramaram sangue inocente. (Jl. 3.18–19 NVI)

O grifo do texto completo anterior é proposital. O sentido do juízo aqui anunciado: o Reino presente em paz aos que sofrem e enfrentamento aos assassinos.

Uma igreja corajosa esteve/está reunida. Povo que clama pela liberdade e pela libertação, não somente de seus corpos, mas de todas as amarras possíveis em toda e qualquer parte da criação — nas pessoas e na natureza.

Assim foi o "Novas". Deus se derramando sobre toda a carne que luta contra o fundamentalismo assassino. Um chamado à justiça. Um chamado à mesa do Senhor, onde todes, todas e todos se sentarão e comerão do banquete oferecido por um Deus das pessoas refugiadas, estrangeiras e peregrinas. Das que sofrem com a pobreza, com o racismo, com a lgbtfobia, com a aporofobia e com as exclusões mais diversas.

E que através do Espírito derramado, divina e potente Ruah soprada sobre nós; da justiça revelada em Jesus, face amorosamente visível e impetuosa do Deus invisível; e do poder incontrolável de Javé, Deus que vem ao encontro de um povo em sofrimento,
caminhemos juntes, juntas e juntos, semeando o devir de um novo mundo, através de um Reino de justiça paz e alegria, como aprendemos com o profeta:

O Espírito do Soberano Senhor está sobre nós porque o Senhor ungiu-nos para levar boas notícias aos pobres. Enviou-nos para cuidar dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos prisioneiros, para proclamar o ano da bondade do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; para consolar todos os que andam tristes, e dar a todos os que choram em Sião uma bela coroa em vez de cinzas, o óleo da alegria em vez de pranto, e um manto de louvor em vez de espírito deprimido. Eles serão chamados carvalhos de justiça, plantio do Senhor, para manifestação da sua glória.
Eles reconstruirão as velhas ruínas e restaurarão os antigos escombros; renovarão as cidades arruinadas que têm sido devastadas de geração em geração. Gente de fora vai pastorear os rebanhos de vocês; estrangeiros trabalharão em seus campos e vinhas. Mas vocês serão chamados sacerdotes do Senhor, ministros do nosso Deus. Vocês se alimentarão das riquezas das nações, e no que era o orgulho delas vocês se orgulharão. Em lugar da vergonha que sofreu, o meu povo receberá porção dupla, e ao invés da humilhação, ele se regozijará em sua herança; pois herdará porção dupla em sua terra, e terá alegria eterna. “Porque eu, o Senhor, amo a justiça e odeio o roubo e toda maldade. Em minha fidelidade os recompensarei e com eles farei aliança eterna. Seus descendentes serão conhecidos entre as nações, e a sua prole entre os povos. Todos os que os virem reconhecerão que eles são um povo abençoado pelo Senhor. É grande o meu prazer no Senhor! Regozija-se a minha alma em meu Deus! Pois ele me vestiu com as vestes da salvação e sobre mim pôs o manto da justiça, qual noivo que adorna a cabeça como um sacerdote, qual noiva que se enfeita com jóias. Porque, assim como a terra faz brotar a planta e o jardim faz germinar a semente, assim o Soberano Senhor fará nascer a justiça e o louvor diante de todas as nações. (Is. 61.1–11 NVI)

Aleluia!

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